# Fase 0

0.1 / Comunidade de Partida

0.1.1 Identificação do boehlkea fredcochui

Família: Characidae – characins. Águas frias, Sudoeste do Texas, México e América Central e do Sul.

Reino: Animal
Classe: ACTINOPTERYGII



Localização: América do Sul
Ordem: Characiformes
Família: Characidae
Género: Knodus
Espécie: Boehlkea fredcochui
Designação vulgar: Tetra azul, Cochu Tetra



Fig.1 Ilustração de peixe da classe Actinopterygii.

0.1.2 Descrição do boehlkea fredcochui

Nomeado Boehlkea devido ao nome do ictologista americano James Böhlke (1930-1982) e proveniente da América do Sul, o peixe Boehlkea fredcochui é pequeno, atingindo o comprimento máximo de 5cm. Este peixe apresenta-se fusiforme, de cor prateada, esverdeado na região dorsal e azul nas regiões caudal e branquial. Vulgarmente conhecido como Tetra Azul, este peixe tolera um pH entre 5,5 e 7,5, e uma temperatura entre o 22°C e os 26 °C.


0.1.3 Comportamento na Natureza

Na natureza, os Tetras vivem em grupos multiespecíficos, de preferência em níveis de água pouco profundos. Alimentam-se sobretudo de pequenos insectos, larvas e outros microrganismos que caem na água, em casos de escassez também consomem algas e outros vegetais.

Extremamente activa, esta espécie é diurna, descansando durante o período da noite. Durante a reprodução, a qual é precedida por uma exibição nupcial muito enérgica, os ovos emitidos no decorrer de contactos furtivos à altura dos flancos, são depois abandonados para se desenvolverem sozinhos.


0.1.4 Comportamento em cativeiro

Quando em aquário, o peixe Boehlkea fredcochui é pacífico quando em contacto com peixes da mesma espécie e extremamente activo, frequentando todas as áreas do tanque com preferência pelo centro. Um ambiente superlotado, o espaço reduzido, a carência de determinadas plantas ou abrigo, bem como a privação de alimento alteram a natureza pacífica deste peixe, tornando-o agressivo.

Em condições deficientes é normal que o Tetra Azul ataque outras espécies, nomeadamente peixes com caudas compridas. Em qualquer aquário, os ovos devem ser separados dos progenitores, pois neste contexto eles tendem a alimentar-se deles.


0.1.5 Respostas biológicas comuns na vida em cativeiro

As regras da comunidade de chegada ou Panóptico Ictiológico deverão ser estabelecidas segundo as leis biológicas do peixe presentes em contexto de cativeiro. Neste sentido, parece preponderante começar por identificar e clarificar cada um destes comportamentos biológicos, transportando-os, de seguida, à comunidade de chegada.

Resposta ao Stress
Factores de stress, tais como exercício físico vigoroso, por exemplo, em perseguições dentro do aquário; na exposição ao oxigénio ou no contacto com a rede de pesca, estimulam alterações psicológicas nos peixes.

Tais mudanças podem ser adaptativas, no caso de permitirem ao peixe responder radidamente a uma situação de emergência; ou danosas, no caso de conduzirem a efeitos adversos e potencialmente à morte. No caso das alterações adaptativas, podem ocorrer alterações químicas, como por exemplo uma mobilização de glucose para dar resposta a necessidades do metabolismo. A exposição prolongada a factores ligeiros de stress ou uma exposição curta a factores severos de stress podem levar a um decréscimo no crescimento, ao aumento da exaustão do metabolismo e em última instância à morte.



Comportamento agressivo
Comportamentos agressivos entre peixes acontecem com regularidade, especialmente em contexto de aquário. Assim, a interacção agressiva pode abranger trocas directas de agressões entre indivíduos (normalmente dentadas ou lutas), até rituais elaborados de agressão que podem envolver uma alteração na forma do peixe se deslocar, para camuflar o movimento.

O motivo de agressão mais comum entre os peixes é relativo à reprodução e à defesa do território, relevando para segundo plano a defesa de alimento.

A forma de defesa territorial mais comum é a dentada, em que o peixe defensor ataca o intruso mordendo a zona lateral ou o pedúnculo da cauda. Quando o intruso é do mesmo tamanho ou menor que o defensor, opta, normalmente, por fugir com rapidez.

Ocasionalmente, o intruso pode não fugir, e neste caso dá-se início a um confronto cujo vencedor é determinado por três factores principais: residência prévia, tamanho e resultado de possíveis confrontos anteriores.

Predação
Como resposta à condição de predador-presa inerente ao peixe, e considerando que existem relativamente poucas espécies marinhas herbívoras ou necrófagas, os peixes desenvolveram um manancial de mecanismos de defesa e simultaneamente alimentação.

Fig.2 Mudanças adaptativas e mudanças danosas.


Alguns exemplos destes desenvolvimentos indispensáveis à sobrevivência envolvem desde o bico forte e espinhoso do Peixe-Porco-Espinho (Tetraodontidae), ao corpo lustroso da Barracuda (Sphyraenidae) ou ao dente de tubarão.

Contudo, este manancial de técnicas de defesa e ataque não existiram sempre como se apresentam hoje, tendo sido desenvolvidos num claro reflexo da co- evolução dos predadores e das presas. À medida que cada espécie se adapta e desenvolve mecanismos mais eficazes, aumenta o grau de complexidade na relação predador / presa, numa constante mutação com vista à obtenção de vantagem na cadeia alimentar, e em ultima análise com vista à perpetuação da espécie, bem como ao equilíbrio do ecossistema.

Neste sentido, uma das maiores questões no estudo da ecologia tem sido averiguar até que ponto os predadores controlam a população da comunidade de presas, no sentido de não levar ao extermínio determinada espécie, sendo que a resposta tem sido positiva na grande maioria das vezes. Assim, da mesma forma que os predadores controlam as populações de presas, a situação inversa também se verifica. Em algumas situações, a população de presas controla os predadores, por exemplo a Perca-Sol de guelras azuis (Lepomis macrochirus) pode limitar a população de Achigã (Micropterus salmoides) antecipando os locais de nidificação desta espécie e alimentando-se dos seus ovos.



Competição
Segundo P.A. Larkin, no livro Interspecific competition and population control in freshwater fish, competição é “a demanda, tipicamente ao mesmo tempo, de mais do que um organismo pelos mesmos recursos do ambiente em excesso de fornecimento imediato.” (Larkin, 1956).

A competição não permite que duas espécies com requisitos identitários biológicos semelhantes coexistam se os recursos forem limitados, sendo extremamente raro encontrar duas espécies com requisitos ecológicos idênticos.

Na hipótese de duas espécies com requisitos biológicos semelhantes, que se tenham desenvolvido em locais diferentes, serem reunidas no mesmo local, à semelhança do que acontece num aquário, as interacções de competição podem levar à divisão dos recursos entre ambas, já que nenhuma das espécies se encontra em vantagem perante a outra – resource partitioning.

Fig.3 Ilustração de exemplar da espécie Lepomis macrochirus.

Perante o mesmo panorama, e em detrimento da partilha de recursos, as duas espécies podem iniciar um processo de mutação temporária – character displacement, estas alterações ao comportamento normal podem ser de ordem comportamental, morfológica e psicológica. Em determinadas espécies, como a Truta, esta resposta biológica pode ocorrer rapidamente, para dar resposta à necessidade de competir.



Por vezes a competição pode não chegar a ocorrer, devido à existência de mecanismos

comportamentais que permitem aos peixes evitá-la, ostracizando a concorrência.

Alguns destes mecanismos incluem a differential exploitation – a exploração diferencial dos recursos disponíveis num dado ambiente.

Outra técnica de redução da competição é o comportamento agressivo interespecífico (entre duas ou mais espécies) – interspecific agressive bahavior. Quando em contexto de competição territorial, este mecanismo pode forçar duas espécies semelhantes a viver em diferentes habitats ou a alterar a sua dieta (interference competition).

Fig.4 Ilustração da Truta da Loago (Salvelinus namaycush).

A predação pode também ser considerada um mecanismo deste tipo, no sentido em que permite reduzir o número de potenciais espécies de presas a competir por espaço, e consequentemente por recursos. Por vezes a predação pode ser uma estratégia de redução da competição ainda mais elaborada, nomeadamente quando determinada espécie se alimenta dos ovos de potenciais competidores, esta situação é bastante comum em aquários, onde convém separar os ovos dos restantes habitantes.


0.2 O Panóptico

Em 1791, Jeremy Bentham (1748-1832) projectou e publicou um novo conceito de arquitectura prisional ao qual chamou Panóptico “O olho que tudo observa”. Etimologicamente, Panóptico deriva do neologismo de origem grega Panopticon, Pan significa “tudo” e Opticon significa “visível”, “tudo visível”, palavras que traduzem eximiamente a génese desta estrutura.

Bentham aspirava a conceber um novo modelo de prisão, que se regia segundo a máxima de que a vigilância contínua dos indivíduos teria efeitos regeneradores nesses indivíduos, e em última instância na própria sociedade.
Originalmente, o objectivo fundamental do Panóptico foi a criação de uma estrutura arquitectónica que, com o mínimo de esforços humanos e despesas económicas, fosse capaz de vigiar e controlar permanentemente o comportamento humano, permitindo uma ‘regeneração’ moral. Desta forma, e tal como Bentham imaginou, a estrutura básica do Panoptico era circular ou poligonal com celas concêntricas. Na área de reclusão, e em pisos sobrepostos, o corpo periférico continha as celas dos presos, que irradiavam do centro do círculo. Cada cela dispunha de uma janela para o exterior, sendo a face oposta da cela aberta para o interior. O acesso realizava-se por uma porta no gradeamento interno, através e uma galeria concêntrica em forma de anel.



Fig.5 “A Penitenciária Panóptica”, Jeremy Bentham, Samuel Bentham e Willey Reveley,
1792; corte, alçado e planta.



Fig.6 A Penitenciária Panóptica, esquema de Reveley, 1791.

Independente desta estrutura, mas posicionada no seu centro, existiria uma torre de vigilância onde permaneceriam os guardas. A torre dividir-se-ia em igual número de andares da estrutura circular e através de um ardiloso uso da luz, todos os movimentos dos prisioneiros podiam ser pormenorizadamente escoltados pelos guardas escondidos atrás de persianas.

Embora Bentham rejeitasse a ideia central do Cristianismo, admitia a função reguladora da sociedade exercida pela religião, nomeadamente a manutenção, o controlo e a regeneração da ordem. Assim, a omnipresença divina postulada pela religião constitui a essência desta estrutura arquitectónica, já que uma só pessoa ou até a torre desocupada poderia dominar todos os prisioneiros, à imagem de Deus.

Como criação utópica, o Panóptico nunca foi materializado rigorosamente e em todas as especificidades como projectado por Bentham, contudo a sua essência foi aproveitada na construção de diversos hospícios, hospitais e prisões, existindo vários exemplos, nomeadamente em Lisboa, o Hospital Miguel Bombarda.

O Panoptico nunca foi projectado como uma simples penitenciária, mas sim como uma máquina de ‘regeneração da moralidade’ altamente eficaz, onde os indivíduos eram despojados de toda a privacidade, humanidade e dignidade, altura em que se iniciava o processo de manipulação.