# Fase 1.1

Desenvolvimento do Habitat

Fig. 4 Jeremy Bentham. Planta do Panóptico (The Works of Jeremy Bentham, org. Bowring, t. IV, PP. 172-173).
1.1 / Panóptico

1.1.5 / O Panóptico e o Panoptismo

O capítulo ‘Panoptismo’ inicia-se com uma descrição das medidas de segurança a tomar quando a peste negra era declarada numa cidade segundo um regulamento do séc. XVII Archives Militaires de Vincennes. A primeira medida referida diz respeito a uma repartição espacial da cidade que inclui a interdição sob a pena de morte da entrada ou saída da mesma; o aniquilamento de todos os animais errantes e, por fim, a divisão da cidade em quarteirões, atribuídos posteriormente ao poder de um intendente. Cada rua é vigiada por um ‘síndico’ que não pode abandoná-la em circunstância alguma. As famílias devem permanecer encerradas em casa, e a chave entregue ao síndico. Entre a rua e o interior das casas é construído um canal de madeira que garante a distribuição de pão e vinho.

Nas ruas circulam apenas os intendentes, síndicos e os soldados. Os ‘Corvos’, pessoas condenadas à morte, ficam encarregues de transportar os doentes e enterrar os mortos. A inspecção é incessante e opera segundo um registo permanente de relatórios realizados e entregues ao superior hierárquico. Cada síndico elabora um relatório sobre a rua pela qual está responsável, entregando posteriormente ao intendente, que por sua vez elabora um relatório sobre o conjunto de ruas que constituem o seu quarteirão e assim sucessivamente.

O encerramento, a divisão e a vigilância constituem a ordem que permite a sobrevivência. A desordem, a proximidade, a mistura dos corpos e a indisciplina reúnem, neste quadro, as condições ideais à propagação da doença e da morte.
“Contra a peste que é mistura, a disciplina impõem o seu poder que é de análise.” (Foucault, 1975, p.227)

Nasce assim uma tradição de ficção literária em torno da peste, que se subdivide em duas tendências distintas: o ambiente festivo caracterizado pela suspensão das regras e proibições, a mistura, a confusão e o abandono da identidade; a segunda tendência traduz-se no sonho político da peste, em imposição das normas e proibições, as divisões espaciais estritas, o controlo hierarquizado sob a ameaça constante.

A peste, como suposição imaginária, fornece segundo o autor, o modelo e a forma geral do ‘grande encerramento’, da mesma forma que a lepra dá origem a rituais da exclusão. Por um lado, o encerramento dos leprosos numa grande massa que não interessa diferenciar, mas apenas esconder; por outro, o grande encerramento, a subdivisão com vista a um mais eficaz adestramento.

O exílio dos leprosos representa, desta forma, o sonho da comunidade ‘pura’, enquanto a peste significa o sonho político da disciplina, “a utopia da cidade perfeitamente governada” (Foucault, 1975, p.229).

Estas duas aspirações políticas distintas não são, contudo, incompatíveis e ao longo do séc. XIX assiste-se à sua aproximação em instâncias de controlo que operam segundo um modo duplo: por um lado a divisão diferencial característica da organização da cidade pestilenta, por outro a divisão binária e a marcação (do louco, do normal, do perigoso, do inofensivo) própria da exclusão dos leprosos. Concluindo, todos os mecanismos de controlo actuais têm na sua génese os dispositivos disciplinares de marcar e modificar, que por sua vez têm origem no medo da peste.


1.1.6 / O Panopticon de Jeremy Bentham

O panóptico de Bentham representa a materialização arquitectónica dos princípios disciplinares de controlo assentes no binómio ‘marcar e modificar’. Constituído por um edifício anelar periférico e uma torre central, o panóptico controla principalmente pela divisão e pela vigilância.

O edifício anelar está dividido em várias celas que atravessam a espessura do edifício, cada qual destinada a apenas um condenado, de forma a evitar a massa compacta da multidão, as misturas e a comunicação. Cada cela dispões de duas janelas, uma para o exterior do edifício e uma outra para o interior com vista directa para a torre de controlo. Desta forma a luz atravessa toda a extensão da cela, permitindo a partir da torre, observar em detalhe tudo o que aqui acontece.

Cada indivíduo, trancado no seu pequeno teatro, é vigiado de frente pelo guarda da torre e impedido de estabelecer contacto com os outros prisioneiros pelas paredes laterais. Daqui decorrem alguns princípios basilares do funcionamento do Panóptico: o prisioneiro é “objecto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação”; as massas de indivíduos são substituídas por “uma multiplicidade enumerável e controlável”; o recluso é induzido num “estado consciente e permanente de visibilidade, que assegura o funcionamento automático do poder”; a vigilância é permanente nos seus efeitos, embora possa ser descontínua na sua acção.

“O poder deve ser visível e inverificável” (Foucault, 1975, p.231), Bentham incluiu no projecto persianas nas janelas da torre de vigilância, bem como tabiques no seu interior, de forma a cortar a luz em ângulo recto.
O condenado vê a torre, mas não vê o seu interior, não pode verificar se realmente está sob vigilância. O panóptico sustenta, desta forma, uma relação de poder independente de quem o exerce, uma forma automática de poder que opera a partir da arquitectura.

Reportando ao carácter laboratorial, o Panóptico é sobretudo um local de experimentação do Homem sobre o Homem, podendo segundo o autor ser utilizado como máquina de experimentar, de modificar comportamentos, de educar ou reeducar de acordo com o propósito de quem está no centro. “O Panóptico é um local privilegiado para possibilitar a experimentação sobre os homens e para analisar com toda a certeza as transformações que neles se podem obter” (Foucault, 1975, p.235).
Este mecanismo é, por isso, tão poderoso quanto polivalente, já que quando sujeito a algumas alterações, é passível de ser aplicado a qualquer estabelecimento onde seja necessário manter sob vigilância um determinado número de indivíduos.

Em forma de conclusão, o papel deste ‘zoológico régio’, como caracterizou Foucault, é sobretudo ampliar e generalizar as forças sociais, aumentar a produção, desenvolver a economia e difundir a alfabetização, activando e elevando para isso o nível da ‘moral’ pública. O Panoptismo constitui na sua organização e dada a sua polivalência, um mecanismo elementar generalizável e transferível à base de qualquer sociedade.